A relação entre Jornalismo e racismo

Publicada em 23/11/2018

A Universidade Federal de Uberlândia sediou, em outubro, a 10ª edição do Copene, evento organizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que reuniu intelectuais negras e negros que atuam em todas as regiões do país. Entre os dias 12 e 17, estudantes e professores expuseram suas pesquisas e participaram de mesas de discussão que abrangeram diferentes áreas do conhecimento. Entre eles, estava o professor Dennis de Oliveira (USP), que ministrou minicurso sobre Racismo estrutural e decoloneidade do poder.

Professor livre-docente da Escola de Comunicação e Artes da USP, Dennis de Oliveira é atualmente coordenador do Centro de Estudos Latinoamericanos sobre Cultura e Comunicação. Com título de doutorado em Teorias da Comunicação, dedica-se também aos estudos sobre mídia e racismo, comunicação e cultura, entre outros. Desde os anos 1990, Dennis articula seu percurso acadêmico com a militância no movimento negro. “Inicialmente, estudei as manifestações do racismo nos veículos de massa. Depois, passei a me aprofundar nas discussões sobre racismo estrutural”, explica.

O objeto de discussão de seu minicurso foi o fenômeno do racismo na América Latina. Para explicá-lo, o professor recorreu a conceitos desenvolvidos pelo psicólogo social Ignacio Martin Baró, e pelo filósofo Achille Mbembe. Dennis de Oliveira também falou sobre o papel do jornalismo brasileiro na naturalização e perpetuação do racismo estrutural. “O Jornalismo entende muito pouco da questão racial”, como se deduz pela baixa presença de pessoas negras nas redações. “A pauta do racismo é sempre periférica no jornalismo. Por exemplo: as declarações do candidato eleito à Presidência deveriam ser tipificadas como crime, e deveria ser cobrada a sua condenação”, reforça.

Decoloneidade
Segundo Martin Baró, a violência é um elemento estrutural do sistema capitalista, baseado na divisão de classes. Esse fenômeno se manifesta por meio do racismo e da decoloneidade do poder, articulando-se com a concentração de renda e a noção excludente de cidadania. Portanto, a violência compõe a própria natureza das relações sociais, e não deve ser considerada um comportamento desviante, mas um reflexo da estrutura na qual estamos inseridos.

Quando se fala em racismo estrutural, explica Dennis, se fala em a ação do Estado se adequar tanto às pessoas quanto às relações sociais sob a lógica capitalista, utilizando-se de normas e regras estáveis. Como no Brasil a realidade é de um capitalismo dependente, que se assenta sob a base do racismo, a própria estrutura é racista. Já o jornalismo, que, de acordo com as teorias da Comunicação, atua na adequação dessas relações sociais, perpetua o racismo.

Para explicar essa relação, Dennis toma como exemplo a cobertura de assassinatos feitos por policiais na periferia. “Qual a tônica da cobertura? Dizer que nenhum deles, ou todos, tiveram passagem pela Polícia”, argumenta. Esse enquadramento reforça a ideia de que o histórico criminal justifica uma ação ilegal por parte da Polícia. “Assim é decidido se o jovem merece ou não morrer.”

O controle do Estado sobre a vida das pessoas foi tema de estudo do filósofo Michael Foucault, que desenvolveu o conceito de biopolítica, tecnologia de poder que atua sobre o indivíduo e sobre a população. O filósofo camaronês Achille Mbembe desenvolveu a noção de necropolítica, que pode ser entendida como a outra face da moeda da biopolítica. Sendo que a necropolítica se aplica à realidade da periferia do capitalismo, onde está o Brasil, e representa o controle do Estado sobre quais grupos de indivíduos merecem ou não morrer.

Relacionando esses conceitos apresentados por Mbembe e Baró à noção de decoloniedade do poder, desenvolvida pelo peruano Annibal Quijano, Dennis de Oliveira chega às suas conclusões a respeito da realidade enfrentada pela população latinoamericana. Primeiro, passamos por uma socialização por meio da violência, disseminada por “todos os poros da sociedade”. Segundo, o racismo não é uma manifestação comportamental, mas uma lógica que pertence aos processos da decoloneidade do poder e da necropolítica. Portanto, para superar o racismo, é preciso haver a ruptura com essas lógicas.