As mulheres na extensão da UFSJ: Kelly Beatriz Vieira Torres Dozinel

Publicada em 13/03/2019 - Fonte: ASCOM

A Assessoria de Comunicação e o Setor de Apoio ao Servidor (Seaps/Progp) da UFSJ prepararam uma campanha para celebrar o Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Foram selecionados projetos de extensão coordenados por mulheres e destinados ao público feminino. A cada dia da semana, de 11 a 16 de março, o site de notícias e as redes sociais da UFSJ publicarão informações sobre cada um desses projetos e de suas coordenadoras.

 

Kelly Beatriz Vieira Torres Dozinel e os desafios de ser uma mulher astrofísica


A trajetória pessoal e profissional

“Vim de um família com poucos recursos, sem formação em nível superior, mas fui muito apoiada pelos meus pais nos estudos. Para eles era um tanto estranho uma mulher entrar na área das Exatas, mas acredito que tenha sido um pouco mais confortável para eles e para mim (de certa forma) ingressar pela educação ao decidir fazer o curso de licenciatura curta em ciências e plena em física na UFSJ, em 1995. Com o incentivo de meu orientador de IC, professor José Luiz Arestrup, do DCNAT/UFSJ, ingressei no mestrado no Departamento de Física da UFMG, onde optei em seguir carreira em Astrofísica sob a orientação do professor Luiz Paulo Ribeiro Vaz.

Algo que me marcou bastante durante meus estudos na graduação foi ouvir de uma médica que eu não teria “aparência física” para ser física. Interessante que a partir daquele momento, de forma inconsciente, minha forma de ser e de vestir tinham sido alteradas para que eu não fosse percebida pelos outros e ter minhas capacidades intelectuais subjugadas pela minha aparência e gênero.

Durante o mestrado e doutorado, tive apenas uma colega em minha turma, também da Astrofísica (há um maior número maior de mulheres na Astronomia que na Física). A Astrofísica me permitiu ter acesso às instituições de pesquisa no exterior - realizei um ano de doutorado sanduíche no Observatório Real da Bélgica, onde trabalhei posteriormente por três anos como pesquisadora, após meu doutoramento. Trabalhei no comissionamento do espectroscópio HERMES instalado no Telescópio Belga Mercator, situado nas Ilhas Canárias (Observatório Roque de Los Muchachos), além de visitas científicas em Viena e Zagreb, antes de me ingressar como docente na UFSJ, em 2011.

A maternidade veio em 2010 e 2015, freando, de certa forma, as minhas ambições na carreira científica, ao optar por dedicar mais tempo para meus filhos (uma dura escolha, por sinal!). Por outro lado, o momento possibilitou trabalhar com projetos de extensão voltados à inclusão de mais mulheres nas ciências, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), ao desenvolver o projeto de extensão da UFSJ intitulado “Inclusão das mulheres nas ciências e Tecnologia”, desenvolvido em parceria com a ONG internacional Greenlight for Girls, desde 2011. Neste trabalho mostramos às meninas das escolas públicas e privadas que "anything is possible" ao se tratar de suas preferências de atuação profissional.

A ideia do projeto “Inclusão das Mulheres nas Ciências e Tecnologia: ações voltadas para a Educação Básica”

“Ao prestar o concurso da UFSJ, em 2011, uma de minhas propostas apresentadas como projeto a ser desenvolvido foi o IMCT. Naquela ocasião foi apresentada a carta de intenção de parceria da ONG para desenvolvimento de ações visando ao empoderamento feminino nas áreas da CTEM no Brasil. Para a ONG foi também algo inesperado e interessante, uma vez que ela estaria avançando suas ações para além do Oceano Atlântico (foi esta a frase dita literalmente pela presidente da ONG Melissa Rancourt).

Após minha aprovação no concurso, realizamos os eventos do Greenlight for Girls in Brazil nos anos de 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018, com a participação dos membros do Greenlight for Girls, Melissa Rancourt (Bélgica), Sarah Thomas (Universidade de Boston) e Alexaundra Zanella (Bélgica/EUAs). Em maio de 2018, realizamos um evento no Museu Catavento em São Paulo - SP, para meninas das escolas públicas, com o apoio da Covestro (antiga Bayer).”

Quantas mulheres são atendidas pelo projeto?

“Trabalhamos com meninas de 11 a 18 anos de idade das escolas públicas e particulares de Ouro Branco e Congonhas. Em média, por ano, são 200 a 300 atendimentos. Até hoje foram 15 escolas atendidas, 1140 meninas participantes, além de 22 professoras/pesquisadoras que compartilharam de suas experiências pessoais e profissionais: Natália Landin (UFV), Silvia Alencar (UFMG), Rina Dutra (UFSJ), Regina Pinto (UFMG), Mariana Garabini (UFSJ), Maria Gorette (UFMG), Márcia Barbosa (UFRGS), Valéria (UFJM), Eduardo (UFSJ), Simone Daflon (ON), Letícia de Paiva (UFSJ), Ana Cláudia Souza (UFSJ), Gilcélia de Souza (UFSJ), Anuira Barrientos (UFMG), Ana Cláudia Bernardes (UFSJ), Vanessa Bawden (LNA), Érica Gravina (UFMG, INMETRO), Tina Armond (UFSJ), Ana Paula Urzedo (UFSJ), Alex Zanella (diretora de projetos do G4G), Sarah Thomas (membra da diretoria do G4G) e Melissa Rancourt (presidente do G4G), e mais de 20 voluntárias e bolsistas.”

O que se espera do projeto?

“Que, em tão breve, ele não seja mais necessário. Perde-se muito tempo e energia tentando fazer compreender que grupos excluídos podem contribuir significativamente para algo. Poderíamos ter avançado mais enquanto humanidade, se tantas barreiras não fossem levantadas.”

Já é possível falarmos em resultado?

“Além dos números apresentados acima, posso citar a atuação das alunas bolsistas no projeto e participantes das ações, que hoje são alunas do CAP:

Priscila Soares Queiros (bolsista em 2012 e 2013), em novembro de 2017, estando na Europa, auxiliou na execução do evento do Greenlight for Girls na Índia. Hoje Priscila trabalha em Luxemburgo e organizou um evento junto com a equipe de Bruxelas – Bélgica, em março de 2018, na empresa em que trabalha, Vodafone. Priscila relata que foi aceita para trabalhar nesta empresa por ter participado do Inclusão das Mulheres nas Ciências e Tecnologia.

Rayane Bernardes (bolsista em 2016) foi a vencedora da categoria “Igualdade de gênero” do prêmio “Do It! Challenge! 2017”, organizado pela Eureca e a AIESEC do Brasil, em São Paulo, que visa propor soluções a três Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU: fome zero, educação de qualidade e igualdade de gênero. Sua proposta “De mulher para mulher” busca oferecer oportunidades de trabalho mais justas, impactando a vida de mulheres, inclusive mães. Rayane apresentou presencialmente o projeto Inclusão das Mulheres nas Ciências e Tecnologia, falando sobre os resultados e ações desenvolvidas no Campus Alto Paraopeba. Nessa etapa, cada categoria teve três finalistas, avaliados pelo público (600 pessoas) e por jurados. Como prêmio, Rayane recebeu cursos, intercâmbio e investimentos para a concretização do projeto.

Bruna Vieira, Cecília Lisboa Fraga e Emanuelle Fernandes participaram do III Greenlight for Girls em 2013 e atualmente são alunas do Curso de Engenharia de Bioprocessos do CAP.”


Relatos da experiência em campo

Os relatos abaixo são apresentados por alunas de 11 e 13 anos de idade de uma escola pública atendida no ano de 2016.

"Uma vez eu fui para a casa do meu pai e eu comentei com ele que desde pequena gostaria de fazer biologia marinha, ele não gostou e disse que lugar de mulher é arrumando casa e ficando dentro de casa. Eu saí chorando e minha mãe falou que não era pra eu ligar e que eu poderia fazer o que eu quisesse, desde que eu fosse feliz e tivesse boas atitudes"

"Minha professora do ano passado me disse que o lugar de mulher é em casa. Na minha opinião, as mulheres têm que ter um trabalho para se sentir independente"

"Minha professora disse que odontologia é melhor para o homem, não para a mulher”

"Meu professor de Ciências não acredita que mulheres fazem parte da sociedade”