A chave do ritmo - o encontro entre a UFSJazz e a banda de rua Babadan

Publicada em 04/07/2019 - Fonte: ASCOM

Os tambores são o elemento essencial da música de raiz africana e estão presentes na dia a dia da cultura negra desde os tempos mais primórdios. Para os povos bantu, que habitaram as regiões da África Central que conhecemos como Angola e Congo, o surgimento dos tambores está ligado a Tata Ngoma. O seu nome significa “pai dos tambores”, e foi ele quem os tocou pela primeira vez para atrair a atenção das pessoas para os deuses - ou zambis, de acordo com a tradição.

Desde o jongo, passando pelo samba, até o funk, os tambores são o alicerce da música afro-brasileira. Sua importância cultural é uma herança religiosa. Atualmente, as origens e os frutos da influência africana na nossa música popular são objetos de estudo de musicistas e pesquisadores. Unindo a teoria à prática, a bigband da UFSJ contribui para esse movimento.

Nesta semana, a UFSJazz recebeu a banda de rua Babadan para um intercâmbio musical. O primeiro encontro aconteceu na segunda-feira, 25, no DMusi, Campus Tancredo Neves da UFSJ onde realizaram uma roda de conversa entre os músicos e estudantes. No dia seguinte, os visitantes se apresentaram no Solar da Baronesa e, em seguida, no Largo do Carmo, juntando-se à bigband regida pelo professor Pedro Mota.

Em atividade desde o ano passado, a Babadan é formada por artistas mineiros que residem em Belo Horizonte. Entre eles, Camilo Gan, Juventino Dias e William Alves, que concederam entrevista à Ascom/UFSJ durante a roda de conversa.

Combatendo o feitiço racista

Citando o poema “Magia negra”, de Sergio Vaz, Camilo Gan explica que um dos objetivos do Babadan é combater o feitiço racista: “combater o feitiço racista é contar a nossa verdadeira história, pela nossa perspectiva de quem lida com o candomblé e os tambores, com essa magia negra”. Revertendo esse feitiço, o grupo busca ressignificar a forma com que o corpo negro é menosprezado e demonizado. Essa atitude é um exemplo da contra-hegemonia, conceito científico comumente utilizado nos estudos das manifestações culturais afro-brasileiras, que significa contestar as normas vigentes e o espaço ocupado pelas minorias e demais grupos sociais marginalizados.

As apresentações musicais acontecem nas ruas, como no Largo do Carmo, em São João del-Rei, em espaços tradicionais, como o Palácio das Belas Artes, em Belo Horizonte. Também há visitas a terreiros de umbanda e candomblé de todo o estado. “Onde tem tradição popular, a gente se preocupa em estar”, afirma Juventino Dias, que completa: “Também apoiamos movimentos sociais e estamos na militância contra o feitiço racista”.

Durante o Carnaval, eles realizam um arrastão na quarta-feira de cinzas que tem como foco mostrar que, na perspectiva negra, não existem as “cinzas”. Isso porque, graças à herança ancestral africana, a própria forma de encarar a morte, ou as cinzas, é diferente. Camilo relembra que os negros não lamentam a morte: “Mas também não temos problemas com a morte, mas quando a vida é interrompida temos problemas com isso”, completa, fazendo referência ao genocídio da juventude afro-brasileira.

A educação também é uma arma contra o racismo. Dois dos membros do grupo são mestres construtores de tambores, entre eles Camilo Gan. Nos modelos utilizados, a pele de animal é esticada na abertura de um cilindro oco de madeira, o que produz a sonoridade característica dos tambores. Juventino explica: “Isso é também uma tradição do candomblé. Se há a matança de algum animal, se aproveita tudo”.

A parceria com a UFSJazz

Este foi o primeiro encontro musical entre os dois grupos, mas sua parceria não é inédita. Soprista do Babadan, William Alves foi o arranjador do concerto “Caminhando contra o vento”, da UFSJazz e da cantora Aline Calixto. “Para mim foi maravilhoso como arranjador trabalhar com grandes músicos”, diz Pajé, como é conhecido. A apresentação fez parte do festival Verão Arte Contemporânea, em Belo Horizonte, e contou com a participação das cantoras Assucena Assucena e Raquel Virgínia, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira.

Sobre o desafio de conciliar os batuques e os sopros em um arranjo, Pajé afirma que o mais importante é não se limitar musicalmente. O arranjador destaca também que a versatilidade do grupo facilita o processo de composição. “A construção tem sido natural. Assim que cada um entende a nossa versatilidade, vemos o potencial que podemos alcançar”, afirma. “Sete ondas”, composta por ele e Camilo Gan, já compõe o repertório

A preocupação social

Todos os membros do Babadan têm graduação em música, seja o bacharel, mestrado ou doutorado. Há também os mestres da cultura popular, como Mestre Leonardo, o mais velho entre todos: “Em todo seguimento da cultura afro, há o convívio entre os mais novos, os adultos e os mais velhos”, explica Juventino. O equilíbrio entre os conhecimentos de cada geração refletem a postura do grupo de valorizar os saberes da academia e das ruas: “A gente respeita todos os conhecimentos, seja acadêmico, de terreiro… A gente quer energia!”, completa Camilo Gan.

Em Belo Horizonte, o grupo se ocupa também de atividades educacionais, que têm como objetivo transmitir as técnicas da música e também a filosofia da ancestralidade afro-mineira. Com residência no Centro de Cultura Popular São Bartolomeu, o Babadan também atua nos bairros Lagoinha e Concórdia. Esta é a “pequena áfrica” belo-horizontina, diz Juventino, comparado a região à Ladeira do Curuzu, em Salvador.

A escola dos sopros é uma das raízes dos grupo, que tem a formação dividida entre os tambores, os trompetes e trombones. Nascidos no interior de Minas, todos eles se mudaram para a capital, onde se graduaram em Música. Juventino afirma que é preciso transmitir aos estudantes o lema de agir “da academia às ruas”: “com uma pegada de rua, mas com a pegada acadêmica também”.