Custo social da mineração em Congonhas é tema de tese de professor da UFSJ

Publicada em 05/11/2019

Em novembro, completam-se quatro anos do acidente ambiental que causou a morte de 19 pessoas, soterradas pela lama tóxica das barragens de minério da empresa Samarco, na cidade de Mariana. Em janeiro deste ano, o rompimento de outra barragem na cidade de Brumadinho contabiliza até agora 273 vítimas, entre mortos e desaparecidos. Esses acontecimentos levaram à discussão sobre o prejuízo gerado por desastres ambientais, as maneiras de dimensioná-los e cobrá-los. No entanto, como assegura o professor Marcello Angotti, do Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis da UFSJ (Decac), a atividade mineradora gera prejuízos em quaisquer circunstâncias, mesmo dentro da “normalidade”.

Por maior que seja a contribuição tributária advinda da mineração, o valor não supera o custo negativo da exploração dos recursos naturais e os impactos sociais e ambientais gerados por essa indústria. “Ainda que não exista desastre, a mineração traz uma série de externalidades mais negativas do que positivas, negativando sempre o seu resultado”, conclui o professor em sua tese de doutorado. Marcello Angotti estudou especificamente a realidade da cidade de Congonhas, aplicando a teoria dialógica crítica e o método full cost accounting para chegar aos resultados de sua investigação.

“A contabilidade é um instrumento de poder das empresas porque é utilizada como uma verdade, quando sabemos se tratar de uma construção”, explica. O princípio da dialogia crítica é, basicamente, inserir o público externo e a sociedade local na elaboração dos relatórios, para que sejam contabilizados os aspectos sociais e ambientais da mineração. Utilizando essa abordagem, pretende-se construir significados para uma compreensão mais efetiva e abrangente da realidade.

Quando são apresentados os resultados da exploração do pré-sal, por exemplo, os valores altíssimos evidenciam que apenas o lucro é colocado na balança, desconsiderando todo o patrimônio perdido pela exploração dos recursos naturais. Caso o método full cost accounting fosse utilizado, os resultados seriam outros. “Esse método envolve aspectos ambientais, sociais, econômicos e o uso de recursos naturais. Seria uma contabilidade ampla”, afirma. A tradução direta desse método seria “contabilidade de custo total”, mas como esse termo tem outra significação no Brasil, o da soma de custos diretos e indiretos, Marcello preferiu mantê-lo em inglês.

Intitulada “Full cost accounting e contabilidade dialógica aplicados para avaliação da sustentabilidade da indústria da extração mineral em Congonhas”, a tese de Marcello Angotti foi produzida entre 2014 e 2018, em doutorado-sanduíche na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Neste 2019, o pesquisador recebeu o prêmio Mário Quartin Graça, na categoria Ciências Econômicas e Empresariais, oferecido pela Casa da América Latina e pelo Banco Santander.

O risco ambiental e social da mineração

Em sua tese, Marcello reforça que os índices de poluição do ar e o uso de recursos hídricos devem ser considerados nesse cálculo. “Em vários casos, a valoração monetária mostrou que a contribuição de tributos é inferior ao impacto das mudanças climáticas”, sustenta. Segundo os dados que reuniu, os acionistas e credores da indústria da mineração lucraram R$ 1,9 bilhão em 2018, enquanto a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais relativa à exploração de minério de ferro em Congonhas foi de R$ 81 milhões, dos quais R$ 52 milhões referentes à cota-parte do município.

Alguns recursos naturais, como a emissão de gases estufa, foram considerados em valores monetários. “Contabilizamos as emissões por meio do custo teórico que seria necessário para compensar os impactos das mudanças do clima”, destaca. O valor dessa externalidade totalizou R$ 131,9 milhões.

No artigo “Grandes minas em Congonhas (MG), mais do mesmo?”, Bruno Milanez, doutor em Política Ambiental e professor adjunto da UFJF, discorre sobre esses dois temas. Os principais problemas enfrentados pela população são as partículas de poeira que cobrem a cidade. As formas de emissão mais comuns incluem a poeira trazida por carros e caminhões vindos da mina e a ação do vento sobre as pilhas de minério. Os efeitos decorrentes são as doenças, principalmente respiratórias, que afetam a população congonhense.

O consumo de água e a poluição hídrica também afetam consideravelmente a atividade mineradora, cujos rejeitos gerados contêm uma série de poluentes dos recursos hídricos, como sólidos em suspensão, metais, compostos orgânicos e óleos. Marcello calcula que as operações retiraram e consumiram 8,71 mi m³ de água, que representariam um valor de R$ 96 milhões, caso o uso da reserva hídrica fosse cobrado pela Copasa à época.

As dificuldades do tema

Para desenvolver sua pesquisa, Marcello teve que contornar adversidades como a resistência de parte da população a falar sobre o tema e a falta de interesse das empreiteiras em contribuir com a ciência crítica. “Houve quem tivesse um sentimento estranho em relação às entrevistas, medo da pressão da companhia sobre a cidade, moradores e trabalhadores”, relembra. Atitudes que se justificam pela dimensão da dependência econômica da cidade em relação às empreiteiras, um quadro que se repete em outros municípios mineradores do Estado.

Há uma série de atividades econômicas relacionadas à operação das empresas. O comércio se volta para atender às demandas desse mercado. Ou seja: a mineração gera empregos, agita o comércio e garante alta arrecadação tributária. Por outro lado, os estudos do professor da UFSJ apontam que houve um declínio do poder de compra dos empregados da mineração, ao longo da última década. “Por mais que as pessoas continuassem ganhando, os aumentos ficaram abaixo da inflação.”

A tese está amparada em uma série de entrevistas feitas com sindicalistas, representantes de bairro e secretários municipais de Congonhas. Posteriormente, foram entrevistados moradores que não se inibiram em falar. “Eu queria saber como a mineração afetava a vida delas”, conta Marcello, que perguntava, por exemplo, sobre o nível de poluição e incidência de doenças respiratórias, sobre solo e território ocupados pelas empreiteiras e, também, se as pessoas percebiam uma menor quantidade de pássaros nos céus da cidade, ao longo do tempo.

Foi a partir do contato com o sindicato local que o professor teve noção da pressão exercida pelas empresas para minar a mobilização dos trabalhadores pela garantia de seus direitos, lançando mão, inclusive, de espionagem. “Essa preocupação foi crescendo à medida que me encontrava com pessoas que tinham medo de falar”, afirma, recordando a “pressão significativa” que enfrentou quando visitou a área da barragem Casa de Pedra. Não obstante, Marcello reconhece que não houve prejuízos à pesquisa.