Caderno para brincar e fazer cinema

Publicada em 17/05/2021

Se as crianças não podem mais ir ao cinema, em função do necessário isolamento, exigido pela pandemia do novo coronavírus, o Programa de Extensão Educação, Cinema, Outros Territórios - ECOS, da Universidade Federal de São João del-Rei, leva a sétima arte até elas, às escolas e às famílias.

Foi a partir de processos de diferentes projetos de pesquisa, extensão e ensino, realizados em companhia da comunidade externa e de alunos e alunas da UFSJ, que o Caderno Imagear tornou acessível um rico material de estudo sobre infância, educação, imagens e brincadeiras. É um instrumental todo feito também dos sonhos de quem quer ajudar a desconstruir imagens limitantes e preconceituosas sobre o mundo e a cultura, a fim de sensibilizar o olhar para o cotidiano, para o encanto que se esconde por trás da correria do dia a dia.

Em meio à diversidade oferecida pelo Imagear, estão propostas de brincadeiras, ideias de montagens de brinquedos ópticos, como câmara escura, teatro de sombras, flipbook e lanterna mágica. A história do cinema é apresentada, passando pela animação, quadrinhos e fanzine. Além de reunir dicas de sites de busca de filmes nacionais de qualidade, com um catálogo de 38 indicações de curtas infantis com a temática direitos humanos. O foco é no cinema nacional ou latino americano, e em curta metragens menos disponíveis no circuito comercial, restrito a festivais e cineastas autorais.

De acordo com a equipe idealizadora do projeto, “tentamos falar um pouco de histórias contadas, mas também ocultadas sobre o cinema, de caminhos comuns e incomuns sobre como aprender cinema; falar de exercícios conhecidos e, também, inventivos com as imagens. E compartilhamos filmes de mais difícil acesso.”

A equipe é formada pelas organizadoras, Fernanda Omelczuk e Giovana Scareli, professoras do Departamento de Ciências da Educação da UFSJ (Deced); pelas bolsistas do programa de extensão: Isabela Coura, Franciela da Silva Ferreira e Taís Cristina Gomes Soares; pelos bolsistas de iniciação científica: Paulo Henrique Ratti, Raiane Leite; e pelas voluntárias Flávia Sousa de Freitas, Jacqueline Silveira, Letícia Monica Barcelos Dias e Roberth Kelven Mathias da Paixão.

O Caderno pode ser impresso ou utilizado on-line, atingindo, dessa forma, escolas e educadores de diversas regiões, expandindo seu alcance para pais, mães e cuidadores que estão em casa com as crianças. E já segue uma trajetória feliz: lançado em meados de abril, no encerramento da disciplina Educação e Filosofia e Imagem: invenções e (em) pesquisas e (em) vidas II, o Caderno Imagear foi apresentado a alunos do curso de Pedagogia (e de outros) da UFSJ, podendo ser apreciado por professores de outras universidades, presentes ao evento. No começo deste mês, o Imagear pousou na 6ª edição do I Encontro de Cinema e Educação do Cine Tamoio (RJ): a equipe do projeto participou da mesa Cinema e Educação: projetos e metodologias.

História do programa
O programa ECOS, iniciado em 2018, está na segunda edição, e é integrado ao Grupo de Pesquisa, Educação, Filosofia e Imagem do Deced. Fernanda Omelczuk traz seu olhar sobre o sucesso da iniciativa: “Esse trabalho não seria possível sem a autonomia, o empenho e a dedicação das alunas do curso de Pedagogia na construção, diagramação e elaboração deste catálogo.”

Entre 2018 e 2019, o ECOS esteve presente no bairro São Dimas (SJDR), nas ruas, nas paredes e no centro comunitário da UFSJ, que se localiza entre o bairro e o Campus Dom Bosco. Foram realizadas sessões de cinema com exibição de curtas infantis nacionais, oficinas de jogos ópticos e atividades de criação com imagens. O grupo também esteve presente com os idosos, nas projeções no Albergue Santos Antônio e no Abrigo Tiradentes. A experiência é narrada pelas bolsistas Raiane, Franciela e Isabela: “Esses momentos proporcionam a partilha de um tempo e espaço comum em comunidade, para ver e brincar com o cinema. Trabalhar com educação e cinema amplia nossos repertórios fílmicos e nossas possibilidades de atuação dentro das escolas e de outros territórios. Uma maneira de pensarmos e falarmos de imagens, de termos uma formação estética e futuramente ecoá-la para nossos alunos.”

História do Imagear
O Caderno Imagear foi uma adaptação à quarentena, no início de 2020, que foi sendo prolongada para conter a propagação da Covid-19. Por segurança, as atividades com as crianças foram interrompidas. Em vista dessa realidade, pensaram em como continuar explorando e difundindo o cinema, em especial o cinema brasileiro, para a comunidade. Uma das possibilidades foi começar a publicar sugestões de curtas infantis no Instagram do ECOS. “Outra foi realizar um sonho antigo, que consistia em criar algo em que pudéssemos reunir e compartilhar um pouco do que fazíamos, e fornecer um dispositivo para auxiliar e incitar a experimentação do fazer cinematográfico e de outras referências que envolvem imagens”, relembram. Inicialmente, o foco era produzir material para escolas da cidade. Na construção coletiva, porém, a criação foi amadurecendo e se tornou um caderno para ser publicado virtualmente.

Fernanda Omelczuk fala com paixão dessa experiência: “Como se recriar um projeto de extensão e dar sentido a ele em meio à crise que vivemos? Como dar sentido a um projeto que tem como sentido fundamental a relação com o público externo, e isso ter sido interrompido? O que se ganhou nesse processo foi o material produzido para o catálogo. Eu coordeno, mas nada teria acontecido se não fosse o afeto e o comprometimento das alunas com o trabalho.”

Para escolherem os brinquedos ópticos e as brincadeiras, a equipe considerou o que Alain Bergala diz em seu livro A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola (2008). Esse autor não compreende os filmes como meros objetos, mas marcas finais de um “ato de criação”. Dessa forma, o cinema é entendido como uma arte que, para se aprender, é necessário, além de ver, imaginar e também experimentar, por meio dos exercícios de criação. De acordo com as alunas do projeto, “nossas escolhas de atividades foram direcionadas a essa experimentação, para que todas e todos se coloquem atrás das câmeras e escolham enquadramentos e planos, brinquem com sons e montagens, sensibilizem seus olhares para as imagens, usando sua própria prática inventiva de cinema no cotidiano.”

A seleção dos filmes foi fruto de uma curadoria atenta e cuidadosa nas plataformas on-lines e gratuitas de filmes nacionais e também em sites de festivais de cinema, que antes da pandemia ocorriam presencialmente em cidades específicas, em diferentes regiões do Brasil; durante a pandemia, se tornaram acessíveis no universo virtual. Os curtas escolhidos têm como recorte temático os direitos humanos, cada vez mais urgente e necessário em nossa sociedade. “Assim, em cada filme do catálogo, sugerimos temas como feminismo, cinema indígena, cinema negro, infância. Acreditamos no potencial dessas imagens selecionadas para descolonizar imaginários e construir uma sociedade mais igualitária e humana. Essas imagens e saberes nos constituem como futuras educadoras e esperamos poder expandi-los para os ambientes educacionais em que estivermos presentes”, explicam as bolsistas.