Abolição da escravatura: 129 anos de luta

Publicada em 12/05/2017

Há exatamente 129 anos, o Brasil se deparava com um fato revolucionário. Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinava um documento legal simples, de apenas dois parágrafos, mas de eminente significado: a abolição da escravatura. Apesar de assegurar a liberdade dos negros escravos, a luta não finalizara ali - longe disso! A assinatura de Isabel foi apenas o prelúdio de uma batalha que persiste até os dias atuais. Negros de todos os cantos dos país ainda se defrontam com a desvalorização de seu potencial, com olhares entrecruzados ao caminhar pelas ruas e, até mesmo, com o sentimento de despertencimento à sociedade.

A história

A promulgação da Lei Áurea - que garantiu a libertação dos escravos - se deu por um conjunto de fatores sociais, políticos e econômicos que pairavam não somente em terras brasileiras, mas também ao redor do mundo. A passos lentos, leis abolicionistas foram sendo implantadas, tornando cada vez mais restrita a utilização dos negros vindos da África como escravos.

O fim do tráfico negreiro, que ocorreu no ano de 1850, foi o primeiro fator a contribuir para todo o processo. Naquele ano, surgiu a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico internacional de escravos. Assim, o serviço escravo foi se tornando mais e mais escasso, além de caro. A influência da Inglaterra foi determinante para a inserção da lei, pois os britânicos tinham grande interesse em ampliar o mercado consumidor brasileiro, sendo mais viável, então, transformar os escravos em mão-de-obra assalariada.

Em 28 de setembro de 1871, assinou-se a Lei do Ventre Livre, também conhecida como Lei Rio Branco. A partir dessa data, todos os nascidos dentro das senzalas eram considerados livres. O fato incomodou, primordialmente, os grandes cafeicultores do Vale do Paraíba. O próximo passo foi a implantação da Lei dos Sexagenários, que libertava todos os escravos com 65 anos ou mais. De acordo com a opinião de muitos historiadores, a introdução das leis abolicionistas foi apenas uma forma de postergar a libertação definitiva dos escravos.

Dentre outros episódios que também conduziram à abolição da escravatura, podem ser citados os movimentos sociais que emergiram em diferentes esferas da população, aliados às fugas em massa de escravizados das fazendas paulistas.

Considerando o cenário geral insustentável, a Princesa Isabel optou por assinar a Lei Áurea. Dados os pressupostos, nota-se que a concessão de liberdade aos escravos negros não foi concedida por mera bondade e consciência, mas sim por fortes pressões advindas do exterior.

A falsa liberdade

Após a libertação dos escravos, em contraste à crença de grande parte da sociedade, as condições de vida dos escravizados não melhoraram, nem tomaram outros direcionamentos. Os negros que trabalharam de forma indigna e desumana durante anos foram deixados de lado, sem nenhum tipo de suporte ou auxílio.

Sem abrigo, sem alimento e sem emprego, muitos ex-escravos retornaram às suas fazendas de origem e pediram para seguir com seus antigos ofícios. Essa foi uma forma de pelo menos garantir o mínimo para a sobrevivência e o sustento de suas famílias. O trabalho escravo, portanto, perdurou da mesma forma.

A luta continua

129 anos de história se passaram desde a assinatura da Lei Áurea. Entretanto, ainda hoje, em pleno ano de 2017, é possível observar resquícios daquele período de escravidão. A desigualdade racial e o racismo ainda são impasses que atormentam não somente os negros, mas todas as outras etnias que fogem do padrão branco europeu.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 70% das pessoas que vivem em situação de extrema pobreza no Brasil são negras. Além disso, o salário médio dos negros no país é 2,4 vezes mais baixo do que o dos brancos. Soma-se ainda que 80% dos analfabetos brasileiros são negros, e 40% das vítimas de homicídio no país são negros entre 15 e 29 anos de idade.

O professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas (Decis) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Manuel Jauará, opina que a situação do negro no Brasil teve e mantém grandes avanços; todavia, mesmo a população brasileira se firmando como não racista, é possível analisar inúmeras situações racistas, bem como descrença oriunda dos próprios afrodescendentes.

Jauará analisa que o negro constroi uma mentalidade de humilhação e rebaixamento desde os tempos de escola. “Na escola sempre se fala sobre os grandes impérios da Grécia, Itália. Muitos alunos comentam: ‘meu avô era italiano’, ‘meu avô era francês’. Já na história dos negros, só se fala em escravidão. É como se o negro caísse do céu somente como escravo. É como se na África não houvesse grandes histórias, grandes impérios. Então, como a criança vai se interessar por essa história? Como a criança vai ter vontade de ir à escola? Como ela vai tirar boas notas? Ela já cresce com o sentimento de humilhação. Isso é horrível!”

Para o estudante de jornalismo da UFSJ, Daniel Ubiratan, o dia 13 de maio não é uma data para ser comemorada, mas sim lembrada e discutida como o dia em que a luta dos negros por liberdade teve sua primeira vitória. “Todos os dias vivemos e vemos que o preconceito persiste em na nossa sociedade. Então, acho que o dia 13 é uma data importante, mas deve ser vista como algo muito além, pois a luta dos negros permeia nossas vidas todos os dias, e não apenas em um dia específico.”

Ubiratan não deixa de enfatizar também que o sistema político, educacional e social do país comprova que as consequências da escravidão ainda são presentes. Para ele, negros continuam ganhando menos e ocupando menos espaço nas grandes universidades.

Cícera Rosa é integrante do Dandara, grupo de mulheres feministas que promovem rodas de discussões, grupos de estudos e ações sociais com o intuito de debater questões relativas aos direitos das mulheres e aos problemas sociais que permeiam a sociedade. Cícera é enfática ao dizer que o dia 13 não as representa: “Após a abolição da escravatura, os negros não receberam nenhum tipo de estudo ou emprego. Nós somos reflexos da escravidão até hoje. Nós, negros, somos das classes mais baixas, somos mais desfavorecidos e não estamos em peso nas universidades.”

Outro ponto explorado por Cícera é a representatividade da cultura afrodescendente, quase invisível, por deixar de lado as belezas da cultura negra. “Tem muita coisa bonita para ser mostrada, porém as pessoas destacam o lado ruim, como a escravidão. Mas existem tantas outras coisas! No dia 25 de julho, por exemplo, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, mas ninguém fala sobre isso.”

Mesmo a problemática racista permanecendo tão viva em meio à sociedade, o professor Manuel Jauará acredita que o mundo caminha para melhor. De acordo com o educador, hoje tem-se a política de cotas nas universidades e em outros concursos. Assim, aos poucos, os negros vêm garantindo o seu espaço. Para Jauará, entretanto, a política de cotas é apenas momentânea. Quando grande parte dos negros conseguirem oferecer um bom estudo aos seus filhos, não será mais necessária a manutenção da política. A força e a mudança devem vir dos próprios negros. “Negros devem acreditar na sua potencialidade”, aconselha.