Outubro Rosa - Das formas de encarar o câncer de mama com mais leveza

Publicada em 17/10/2018 - Fonte: ASCOM

Outubro é sempre um mês de reflexão, principalmente para as mulheres. Momento de olhar com ainda mais atenção para o próprio corpo, observar e se tocar. Com a campanha Outubro Rosa, o câncer de mama torna-se um dos principais assuntos em pauta, com destaque para a prevenção e tratamento. E a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) inicia uma série de matérias e entrevistas sobre o assunto, trazendo dados, informações sobre prevenção e tratamento e contando histórias de vida.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), estimam-se 59,7 mil casos novos de câncer de mama para cada ano do biênio 2018-2019 no Brasil - com um risco estimado de 56,33 casos a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o primeiro mais frequente nas mulheres das Regiões Sul (73,07/100 mil), Sudeste (69,50/100 mil), Centro-Oeste (51,96/100 mil) e Nordeste (40,36/100 mil). Na Região Norte, é o segundo tumor mais incidente (19,21/100 mil).

Receber o diagnóstico de câncer é um momento difícil, mas que deve ser encarado com o máximo de leveza. É no que acredita a professora Daniela Almeida Raposo Torres, do Departamento de Economia da UFSJ. A seguir, ela relata como foi o processo de descoberta, tratamento e convivência com a doença.

Como descobriu que tinha o câncer de mama e como foi o momento da descoberta?
Eu descobri no dia 10 de outubro de 2008. Eu estava numa reunião o dia todo em Belo Horizonte e morava em Sete Lagoas, dava aulas numa universidade privada. Estava quase terminando o doutorado. Quando cheguei em casa à noite, fui tomar banho, levantei o braço e, quando estava lavando, eu vi que tinha uma coisa aqui. Comentei com meu marido, Fabiano. Eu tinha ido ao médico em abril daquele ano. Tinha feito o exame. Naquela época havia indicação para fazer mamografia somente com 40 anos. No meu caso, poderia fazer a mamografia, e inclusive fiz, pois já tinha amamentado. Fui ao consultório da minha médica, que comentou que não deveria ser nada, mas disse que ia fazer uma punção. Quando ela enfiou a agulha, já mudou o olhar e disse: “eu vou tirar aqui, Daniela, e vou fazer o exame”. Mas eu percebi… Depois de umas duas semanas, fui pegar o resultado e deu maligno. Naquele momento que vi o resultado, eu chorei. Depois sequei as lágrimas e disse: “vamos lá!” A médica pediu que fosse ao hospital e recomendou uma biópsia e mamografia, para avaliar em estágio estava. Perguntei: “o que vai acontecer comigo?” Eu tinha 30 anos ainda. E ela disse: “Provavelmente você vai fazer uma cirurgia, uma mastectomia, provavelmente quimioterapia e não sei se radio(terapia).” Quando ela falou isso, eu fiquei mais tranquila, pois minha questão era saber o que vai acontecer.

E como foi a preparação para a cirurgia?
Com o resultado, a médica me disse: “não vou te operar aqui. Porque eu te conheço, a gente tem uma relação pessoal muito forte, eu não vou conseguir fazer isso. Vou te mandar para um médico de Belo Horizonte. Você vai gostar muito dele, estudamos juntos.” Confiei totalmente nela e fui. O médico na hora fez o autoexame na mama e nas axilas. E detectou nódulos nas axilas também. Não sei afirmar se, de abril a outubro, eu tive uma evolução, nem sei afirmar se no dia em que fui lá ao consultório dela já começou a infiltrar. Só sei que tive um câncer muito rápido, muito agressivo, que invadiu a região mamária e já foi para os linfonodos. E o médico disse que eu teria que fazer uma mastectomia radical, que era retirar o lado direito todo, inclusive axilas.

De que forma você se trabalhou psicologicamente antes da cirurgia, já que tudo foi acontecendo muito rapidamente?
Eu devia ter buscado apoio psicológico. Meu marido me ajudou muito. E eu me assustei quando as pessoas me perguntavam se meu marido tinha continuado comigo. Eu perguntava: “mas por quê?”. E diziam: “porque a gente ouve muitos casos de maridos que abandonam as esposas”. Ele sempre esteve do meu lado. Mas como sou muito objetiva, perguntei para ele: “Fabiano, você está disposto a enfrentar junto comigo?”. E ele respondeu: “Claro, Dani!” Só que não procurei apoio psicológico e isso veio explodir anos depois, inclusive aqui, trabalhando. Toda vez que se falava de alguém que tinha morrido de câncer, eu ficava muito mal, chorava de maneira descomunal. Faço terapia há três anos. Porque eu vi que não tinha mais como lidar. E quando tratei lá no centro oncológico, tinha psicólogo, mas eu não quis, achei que era muito autossuficiente. Na verdade, não era bem isso.

Depois da cirurgia, o que te afetou?
Quando fiz a cirurgia, fiquei com o dreno por 20 dias. Mas antes disso, o médico me levou ao consultório para tirar as faixas. Quando eu vi, aquilo me assustou. Eu olhei para ele e disse: “mas doutor, você acabou comigo!” Eu tinha um lado e, do outro, não tinha nada. E para mulher, pelo menos para mim, o seio é uma coisa muito importante. Eu me senti por muitos anos meia mulher - ou nada de mulher. Porque tive que ficar sem a reconstrução por um dois ou três anos.

O tratamento teve continuidade depois?
Depois que opera, as mulheres vão para o Centro Oncológico, que direciona para o tratamento que você vai fazer. Precisei fazer a quimioterapia, pois tinha um tipo de câncer hormonal. E eu tive filho. Tem muita gente que pensa que amamentar contribui para não ter câncer de mama. Isso não é correto! Eu amamentei meu filho nas duas mamas e não deixei de ter. Quando termina a quimio e a radioterapia, seu médico oncologista vai te acompanhar para o resto da vida. É bom que as pessoas saibam disso. O câncer é uma doença tratável, você tem sobrevida ou está curado. Comecei a tomar tamoxifeno, que é um medicamento oral, por cinco anos, quando você tem uma “ideia de cura”. Só que era muito nova e ainda menstruava - a ideia do remédio é que você pare, mas não aconteceu comigo, só estava com 35 anos.

Teve algum fator genético ligado ao teu câncer?
Ah, tem, lá em casa o negócio não é bom não [risos]. Depois que tive câncer, meu irmão teve linfoma e meu pai teve câncer de próstata. A gente tem uma família com histórico de câncer. Por isso minhas irmãs, que são 11 anos mais jovens, fazem todo ano exames.

Como foi depois da reconstrução da mama?
O cirurgião plástico reconstruiu minha mama direita com o tecido do abdômen. Ele fez uma cirurgia perfeita. Porque não é uma região morta, não é um enxerto, é uma região viva. Ele trouxe os vasos dessa região. Reconstruiu, fez uma mama e fez o bico com parte da virilha. Fiz cinco correções cirúrgicas (...) A reconstrução da mama foi uma cirurgia de sete horas. Depois disso, consegui comprar roupas normais. Usar biquini normal. É outra vida, gente! Fico muito preocupada com as mulheres que dizem que não querem mais operar (para reconstruir a mama). Faz isso não. Porque é tão bom você se sentir bem.

A doença voltou a se manifestar?
Em 2016, comecei a comentar com os colegas que estava me sentindo muito cansada. E ficava pensando se era alguma coisa do coração e fui fazer um check-up. A médica por acaso pediu um raio-x de pulmão. No dia 6 de outubro tinha que dar uma palestra aqui na UFSJ, mas não consegui falar e respirar ao mesmo tempo. Quem me conhecia sabia que estava mal e quem não conhecia achava que estava nervosa. No outro dia, fui a um médico aqui e ele disse: “olha, Daniela, seu caso é: ou está com tuberculose, pneumonia ou câncer.” Fui ao oncologista e ele falou: “você está com meio pulmão só, ele foi tomado por água.” Tive um derrame pleural. Eles sabiam o que eu tinha. Tinha uma metástase já identificada. O meu câncer de cinco anos curado era pura mentira. Ele tinha invadido o pulmão e foi destruindo a região pleural. Fiz a tomografia que identificou nódulos no pulmão e no fígado. Eu tenho o problema do câncer crônico. É uma doença que está controlada, mas não sou curada.

Foi importante encarar a doença com leveza?
Você tem que levar as coisas com mais leveza. Eu já estava fazendo terapia há uns três ou quatro anos. Eu já sou alegre por natureza. Não quer dizer que não tive momentos de baixa. Tive e é fundo do poço mesmo. Só que não sou um ser triste, sou um ser alegre. Minha visão de vida é muito diferente dos outros, porque eu luto para viver todos os dias. Eu quero viver muito. E quanto mais vou lá (ao hospital), vejo as dificuldades, mais tenho interesse em viver. Mas a vida me botou limite, duas vezes me colocou em xeque. Não sei se é uma percepção de todos os pacientes. Todas as campanhas, como Outubro Rosa, são necessárias, porque a gente não pode achar que o câncer é uma nota funerária. Não é. Ele tem cura.

Qual o papel da família nesse processo?
Família e amigos são muito importantes. São fundamentais. Alguém precisa te dar alegria. Quando estava muito para baixo, também assistia a muita coisa de comédia.

Como foi na hora de voltar à sala de aula?
Foi um misto de alegria, medo e contentamento de estar de volta. Fui recebida muito bem pelos meus colegas. É um prazer dar aula, é um prazer ensinar. O trabalho é edificante, ele soma, é necessário voltar.

Nesse processo, você aprende a valorizar outras coisas que não a estética e questões materiais?
Depois de umas duas semanas da cirurgia do derrame pleural, eu valorizei respirar, você tem noção? Respirar! Você passa a dar valor às coisas mais simples. Quando você faz a quimio, você não pode ir à praia. Eu quero ir, mas sempre dou um tempo. Botar o pé na areia! O simples fazer isso você passa a dar valor. Em um abraço de mãe, abraço de pai. Comer e sentir o gosto dos alimentos! No período em que estava doente foi quando dei mais valor a minha vida. Foi quando mais me fortaleci e consegui parar para pensar em mim e no que estava fazendo. Da destruição que a gente faz o tempo todo e de ficar preocupada com coisas pequenas.