Períodos de licença-maternidade passam a ser incluídos no Lattes

Publicada em 15/04/2021

Mães pesquisadoras receberam a boa notícia nesta semana. A partir de 15 de abril será permitido o registro dos períodos de licença-maternidade no banco de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A recente evolução tem o objetivo de atender a demandas de representantes da comunidade científica e de instituições parceiras do Conselho, sobretudo de pesquisadoras ligadas ao Movimento Parent in Science.

A importância dessa inclusão está diretamente relacionada à desigualdade em relação à concorrência em torno da eficiência e da produtividade acadêmica registradas na Plataforma Lattes. A partir de agora, as mulheres têm a possibilidade de comprovar que o tempo de ausência profissional em determinado período se deve ao afastamento legítimo da licença-maternidade.

De acordo com a cientista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e coordenadora do Parent in Science, Fernanda Staniscuaski, os dados comprovam que, com a chegada dos filhos, há uma diminuição na produtividade das mulheres, especialmente no número de publicações, o que tem um efeito negativo no processo de avaliação dessas pesquisadoras, e acontece por falta de políticas de apoio que considerem a maternidade na carreira científica. “Mudanças imediatas são necessárias para que se garanta a inserção, a permanência e a progressão das mulheres na Ciência. Essa atual inclusão serve para justificar as lacunas que venham a existir no currículo dessas mulheres pesquisadoras. Ainda é um passo inicial, que vai provocar a discussão da parentalidade na Academia e fomentar as mudanças que sabemos ser fundamentais. Seguimos na luta para que não seja apenas mais uma linha no Lattes”, analisa.

A inclusão do campo licença-maternidade é resultado do trabalho conjunto de mulheres que atuam junto à Comissão de Gestão da Plataforma Lattes e ao Programa Mulher e Ciência do CNPq. No Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (DGP), 50% do total de pesquisadores cadastrados são mulheres. Nos últimos 15 anos, esse percentual aumentou 7%.

Programa Mulher e Ciência
Desde 2005, o CNPq mantém o Programa Mulher e Ciência, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e outros órgãos. O objetivo é promover a participação de meninas e mulheres na Ciência, incentivando pesquisas sobre relações de gênero, mulheres e feminismos.

O Programa contribui ainda para que o Brasil alcance a meta ODS 5 - Igualdade de Gênero. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015, composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030. Foi comprovado que a capacitação de mulheres e meninas tem um efeito multiplicador e ajuda a gerar crescimento e desenvolvimento econômico em geral.

Sobre ciência e maternidade
A professora e coordenadora do curso de Engenharia Florestal da UFSJ, Mayra Marques, sabe bem o que é conciliar a rotina de pesquisadora com a de mãe. Sua história acadêmica começou ainda na graduação, seguindo até o doutoramento. A dedicação à pesquisa era exclusiva e a produção científica, constante e crescente. Ao final das disciplinas do doutorado, foi aprovada no concurso para a UFSJ. Mas sua vida profissional mudaria de repente: “Lá estava eu, no meio do doutorado, iniciando a carreira docente e três meses depois uma boa surpresa, estava grávida! Precisei conciliar a escrita da tese com o final da gestação e o parto. A defesa do doutorado foi durante a licença-maternidade e minha filha na sala ao lado com quatro meses aguardando a mãe se tornar doutora”, relembra.

Hoje sua filha já está com nove anos, e esperam para maio o segundo filho. A rotina com uma criança inclui todos os cuidados com alimentação, higiene, estudos, disciplina, momentos em família e brincadeiras. A maternidade exige dedicação contínua e integral durante as diferentes etapas de desenvolvimento dos filhos: a disponibilidade para cuidados quando ficam doentes, a participação em atividades escolares, os imprevistos a qualquer momento do dia - quem nunca teve que sair mais cedo do trabalho por que a escola ligou pedindo pra buscar a criança que estava passando mal ou se machucou? “Tudo se tornou ainda mais intenso com o trabalho remoto, porque os filhos têm dificuldade de compreender que estamos em casa, mas não disponíveis o tempo todo, e as interrupções são constantes.”

É justamente nesse ponto que a rotina da maternidade se encontra com a carreira acadêmica, e o ritmo de pesquisa e produção científica diminui, para muito além do período de licença-maternidade, incluindo os primeiros anos de vida da criança, que demandam muito das mães até que desenvolvam certo nível de autonomia para algumas atividades básicas. “A inclusão da licença-maternidade no Lattes é uma grande conquista para as pesquisadoras que são ou pretendem ser mães, é uma forma de dizer à comunidade científica que a dedicação à maternidade impactará na produção, devido à nobre missão de criar e educar uma nova pessoa para a sociedade. O ritmo retomado aos poucos, sem que sejamos prejudicadas e nem fiquemos em desvantagem em relação aos colegas que não estão nas mesmas condições”, reflete Mayra.

Outro ponto da carreira docente que mereceria igual atenção seriam, de acordo com a pesquisadora da USFJ, os períodos em que se dedicam a funções administrativas, o que garante o pleno funcionamento da Universidade, mas também influi no decrescimento da produtividade científica.