UFSJ restaura lenços do "mestre-sala dos mares"

Publicada em 19/10/2021

“Há muito tempo nas águas da Guanabara
o dragão do mar reapareceu
na figura de um bravo feiticeiro
a quem a história não esqueceu”

O trecho acima é do antológico samba O mestre-sala dos mares, de João Bosco e Aldyr Blanc, e faz referência ao marinheiro João Cândido Felisberto (1880-1969), líder da Revolta da Chibata, levante de marinheiros negros contra os maus-tratos advindos de marinheiros brancos, que aconteceu em 1910, no porto do Rio de Janeiro. Mas o leitor deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com a UFSJ?

É que o Laboratório de Conservação e Restauração de Obras Raras da UFSJ (Labdoc) restaurou um legado muito raro do lendário João Cândido: dois lenços em tecido de algodão bordados pelo próprio herói popular, enquanto cumpria pena pela Revolta, na Ilha das Cobras, no litoral fluminense.

Os lenços vieram parar em São João de-Rei pelas mãos do são-joanense Antônio Guerra. Em 1910, Nequinha, como era mais conhecido, servia no 51º Batalhão de Caçadores de São João del-Rei, unidade local do Exército, que se deslocou ao Rio de Janeiro para auxiliar na segurança pública da então Capital Federal. Nequinha trabalhou no Presídio da Ilha das Cobras, onde fez amizade com João Cândido e dele adquiriu as duas peças, cujos bordados são denominados Amor e O adeus do marujo. Amante das artes e da cultura, ao retornar à sua cidade natal, o militar Antônio Guerra doou os lenços bordados ao Museu Thomé Portes del-Rei, que promoveu o tombamento das peças raras, como patrimônio municipal.

Restauro
Todo o trabalho de restauro foi realizado pelo técnico em restauração do Labdoc, Saul Ferdinando de Oliveira Carvalho. A tarefa se  desenvolveu no ano passado, mediante convênio entre o Labdoc e a Prefeitura Municipal, que cedeu o material necessário, inclusive molduras específicas para a conservação das peças. “Foi mais difícil conseguir as molduras corretas no mercado. O trabalho de restauração foi tranquilo”, avalia o restaurador. Os bordados apresentavam acidez, que se caracteriza pelo tom amarelado do tecido, e muitas manchas, frutos de conservação inadequada nos mais de cem anos desses objetos.

Atualmente, os lenços de João Cândido estão sendo exibidos na Bienal de Arte de São Paulo 2021, que tem como tema a arte enquanto resistência e transformação. Para Saul Carvalho, a apresentação das peças na maior exposição coletiva de arte do país revela um lado até então desconhecido de João Cândido e garante mais visibilidade para o trabalho do Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos e Obras Raras da UFSJ.