Consciência Negra: "A educação é o maior motor da mobilidade social"

Publicada em 22/11/2021

O dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é uma data dedicada à reflexão sobre diversas questões envolvendo os negros na sociedade brasileira. Hora de discutir o racismo, a desigualdade, as culturas africanas. Mais que isso, de buscar ações que promovam resultados o ano inteiro.

Para quem estuda, trabalha ou convive com a Universidade Federal de São João del-Rei. é um momento de (re)conhecer as lutas históricas dentro da instituição em defesa do povo negro. Uma delas, o desafio para que cada vaga das ações afirmativas seja preenchida por alunos negros. "Em 2009 eu era membro do Conselho Universitário e participei da discussão e aprovação da resolução de política de ações afirmativas. Depois veio a lei federal e fizemos a atualização. De lá pra cá, já temos mais de uma década de ações afirmativas", ressaltou o reitor Marcelo Andrade durante o seminário "Negras Reitorias", que aconteceu no dia da Consciência Negra.

A luta, entretanto, não foi e não tem sido fácil. O professor da UFSJ Manuel Jauará lembra que muitos de seus colegas docentes não concordaram com as ações afirmativas. “O debate era exaustivo, porque usavam argumentos insustentáveis, que estávamos aprovando uma discriminação contra os brancos”, relata, reforçando que deveríamos discutir a possibilidade de dar oportunidade àqueles que nunca tiveram - “os pobres e, sobretudo entre esses pobres, os negros”.

Abandonavam escola para trabalhar

Jauará explica que essa parcela da população dificilmente conseguia terminar o segundo grau, porque abandonavam a escola para trabalhar e ajudar a família a garantir o almoço e a janta. “Essa era a razão pela qual no início da reserva de cotas eram poucos negros que pleiteavam isso. Quando você abria vaga, tinha um percentual mínimo de negros que conseguiam pleitear essas vagas. Levou muito tempo para conseguirmos preencher essas vagas, porque foram acrescentadas à ideia das vagas as condições da permanência.”

Movimento organizado

O presidente da Comissão de Heteroidentificação da UFSJ, o técnico administrativo Vítor Domingos dos Santos, esclarece que as políticas afirmativas são “frutos do movimento negro organizado, vêm de uma demanda de um segmento da sociedade que se organiza e luta”. O movimento, detalha, não nasceu neste momento: é, pois, datado desde a colônia, os quilombos, as lutas históricas.

Educação como motor da mobilidade social

A partir dos anos 2000, conta Vítor, passamos a ter um debate muito forte de implementação de várias políticas. O técnico destaca a Lei 12711/2012, e afirma, sem dúvidas: “a educação é o maior motor de mobilidade social”.

“Não é fácil vencer pelos estudos, mas é um caminho que pode mudar a sociedade, trazer a população pobre. No Brasil a gente não pode falar de mérito quando não tem oportunidade, quando você tem pontos de partida diferentes. Essa lei contempla a oportunidade.”

Para Vítor, um dos desafios é enfrentar a ideia de que vivemos num país miscigenado em que todos são iguais. “A gente sabe que há o racismo estrutural dentro da sociedade brasileira. A gente é minoria dentro de espaços com mais privilégios e prerrogativas”. Um dos caminhos, aponta, é a emancipação do povo negro pela educação.

O preconceito não tem o aspecto genético

A autodeclaração, prevista na lei para o preenchimento das vagas, é primordial para o autoreconhecimento da pessoa enquanto pertencente ao grupo negro, explica Vítor. “Contudo, uma parte passou a se autodeclarar como pessoa negra, sem nenhum histórico. Para entrar nas cotas, virou moda ser negro, muitas vezes brancos se autodeclaram como pessoa negra por conta de algum antepassado negro. É um debate delicado, porque a percepção de cada um é válida, mas o racismo no Brasil, que fecha os espaços, é por aquilo que as pessoas veem, é um racismo de marca, os seus traços fenotípicos, o cabelo, o tom de pele, o formato dos lábios ou do nariz, é o que determinam se você vai ser visto como uma pessoa negra ou não na sociedade”.

Ou seja, nas palavras do presidente da Comissão, “o preconceito não tem aspecto genético, ele é um fenômeno social.

A experiência da Comissão na UFSJ

Os casos de possíveis fraudes nas autodeclarações começaram a ser denunciados, inclusive no Ministério Público. Na UFSJ, como forma de garantir a ocupação das vagas por negros, foi implementada em 2019 a Comissão de Heteroidentificação. “Passamos a fazer um processo com bancas de heteroidentificação, formadas especialmente por indivíduos engajados nos movimentos sociais negros, especialistas na temática, dos segmentos de técnicos, docentes, alunos.”

Negras Reitorias

No dia 20 de novembro foi realizado o sexto e último encontro de 2021 do “Seminário Negras Reitorias - Gestão de instituições de Ensino Superior e Ações Afirmativas: perspectiva de reitoras/es negras/es/os”. O debate pode ser assistido no canal da TV UFSJ ou diretamente neste link