2. Federalização: marco na história da UFSJ

Publicada em 20/12/2022

“São João del-Rei, pela sua história cultural, manifestada no cultivo das artes, no cuidado com a educação e com a saúde, merecia, de há muito, uma universidade federal. A existência, então recente, da Faculdade Dom Bosco e da Fundação Municipal de Ensino Superior de São João del-Rei, era uma manifestação da preocupação que aqui se mantinha com o ensino superior. Ambas as instituições, nascidas do idealismo de várias pessoas comprometidas com a cidade, enfrentaram sempre grandes dificuldades financeiras. Tais problemas se avolumaram, transcorridos vinte, trinta anos da existência dessas instituições. Um grupo de educadores da cidade, vinculados a ambas as instituições, se constituiu como comissão para fugir do risco de verem fechadas as portas do ensino superior na cidade. O momento político era favorável à tentativa de obter a junção das duas instituições numa instituição federal. O admirável trabalho desenvolvido pela comissão junto às autoridades federais e junto à comunidade educativa, empresarial, política, religiosa e social da cidade, obteve o excelente êxito da criação da Fundação Federal de Ensino Superior de São João del-Rei.”

É dessa maneira que o primeiro diretor executivo (reitor), professor João Bosco de Castro Teixeira, descreve o processo histórico que, em 1987, resultou na “federalização” da Funrei.

Para que esse antigo sonho da comunidade local ocorresse, foi necessária a vontade política do Governo Federal. No final de 1986, o Congresso Nacional aprovou a Lei 7.566, que autorizava o Poder Executivo a implantar a Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei. E no dia 21 de abril de 1987, quando se completavam dois anos do falecimento de Tancredo Neves, o então presidente da República, José Sarney, assinou a lei que instituiu a Funrei.

A federalização foi um marco definitivo para o desenvolvimento do ensino superior e para a história da região onde a Funrei estava inserida. O processo ocorreu basicamente com a incorporação pelo Estado do patrimônio e dos profissionais (docentes e técnicos) das instituições que lhe deram origem: a Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras e a Fundação Municipal de São João del-Rei. Para conduzir a implantação da nova instituição federal, foi nomeado, como diretor executivo, o professor João Bosco de Castro Teixeira.

Naquela época, a Funrei tinha 140 docentes, 250 técnicos-administrativos e 2.000 alunos, distribuídos em dois campi (Dom Bosco e Santo Antônio), os quais abrigavam nove cursos de graduação: Administração, Ciências Econômicas, Engenharia Industrial Elétrica, Engenharia Industrial Mecânica, Filosofia, Letras, Pedagogia, Psicologia e Ciências. Em 1987, apenas três professores possuíam doutorado e 19 eram mestres. A grande maioria se dedicava exclusivamente ao ensino. Com a criação da Funrei e a ampliação das atividades de pesquisa, o número de docentes cresceu e o regime de trabalho se modificou notadamente. A efetivação das atividades-fins e administrativas foi possível a partir da estruturação do quadro de técnicos-administrativos, que foi ampliado em número e em oferta de cargos compatíveis com as novas exigências.

Serviço público
De acordo com o professor João Bosco de Castro Teixeira, na época da federalização havia vários desafios, alguns bem trabalhosos, a serem enfrentados. O primeiro era fazer docentes e técnicos entenderem que tudo deveria passar a ser visto como “serviço público”. “Muito embora nas duas instituições que deram origem à Funrei se trabalhasse com denodo, era preciso acrescentar a tal virtude, o caráter de serviço público, que tem exigências próprias, entre as quais sobressai aquela de querer ser servidor público. Encontrei, nos componentes das duas instituições, não só muita competência, como enorme disponibilidade para o desempenho da nova função social”, relembra.

Outra dificuldade estava relacionada à administração financeira e acadêmica. “Instituições particulares são geridas da forma que melhor atenda a seus interesses. Instituição pública é orientada para o atendimento ao bem comum. Por isso, a administração financeira segue rígidos protocolos definidos em lei e outros processos legislativos. E na administração acadêmica nada pode ser concedido, sob prisma algum, que privilegie a uns, mesmo que sem detrimento de outros. O artigo 5º da Constituição precisa ser levado à risca, ou seja, todos são iguais.”

Outro desafio, que só muito mais tarde seria satisfeito, ainda segundo João Bosco, era a insuficiência de recursos financeiros. “A Funrei nasceu com pouquíssimo recurso para investimento. E investimento era tudo o de que se precisava”, observa.

Apesar de muito conhecido na cidade, o professor João Bosco não se considera a pessoa mais indicada para falar da recepção da comunidade local. Entretanto, ele acredita que a sociedade são-joanense acolheu muito bem a federalização, “seja como tábua de salvação para as duas instituições, seja como um alavanca notável para a economia local e regional.” Porém, na sua opinião, um aspecto incomodou muito a comunidade: a notável melhoria nos salários de professores e técnico-administrativos, em descompasso com a realidade da economia local.

Estatuto e Regimento
A elaboração do Estatuto e Regimento Geral da Funrei, envolvendo todos os segmentos da instituição, era a principal função do diretor executivo nomeado. A aprovação unânime de ambos foi uma referência no processo de federalização e, a partir dela, foi possível realizar eleições para a Diretoria Executiva.

“A Estatuinte trabalhou ao longo de alguns meses, com numerosas reuniões de trabalho que, muitas vezes, precediam as reuniões deliberativas do Conselho principal”, recorda o professor João Bosco. “Era constituída pelos membros do Conselho Deliberativo, do Conselho Acadêmico e do Conselho Diretor, tendo também representantes dos professores, técnicos-administrativos e alunos. Trabalhou-se muito. Exceção feita de um ou dois artigos, todos foram votados por consenso. Isto é: como todos os conselheiros puderam sempre expor o próprio pensamento, serem ouvidos e entendidos, ao final todos se comprometiam com a definição obtida dos artigos. Foi muito bom”, avalia. “Quem viveu sabe da objetividade dessas minhas palavras. E os documentos aprovados continham aspectos exigentes, como, por exemplo, o do exercício da dedicação exclusiva, que deveria ser cumprida em 40 horas, em cinco dias da semana”, completa.

Estrutura universitária, capacitação e compromisso
Desde seu nascimento, a Funrei vislumbrava a possibilidade de se transformar em Universidade. O que pode ser comprovado pela estrutura matricial definida com a aprovação do novo Estatuto e do Regimento Geral. Nessa estrutura organizacional, os três Conselhos Superiores (Conselho Deliberativo Superior, Conselho Acadêmico e Conselho Diretor) estabeleciam a política da instituição e normatizavam as ações, sob a responsabilidade da Diretoria Executiva e das quatro vice-diretorias (equivalentes a pró-reitorias). Numa estrutura inovadora e ousada, os departamentos, agrupados no Centro Científico, e os cursos, reunidos no Centro de Ensino, interagiam para que o ensino, a pesquisa e a extensão acontecessem com qualidade. Conforme afirma o professor João Bosco, em termos de administração universitária, “a Funrei não nasceu juridicamente como Universidade. Mas foi gerida, desde a primeira hora, com estrutura universitária.”

Uma vez criada para se transformar numa universidade federal, a Funrei precisava promover a capacitação docente. “Os professores compreenderam rapidamente tal necessidade e se dedicaram a um profícuo rodízio. Enquanto uns saíam para se capacitar em outras universidades, os que ficavam se desdobravam na carga didática. No retorno dos colegas, era a vez dos que chegavam também se dedicarem muito às atividades didáticas. O esforço foi compensador. Em oito anos, o número de docentes, mestres e doutores, já começava a justificar o sonho de ser Universidade”, explica.

Um dos aspectos essenciais do projeto inicial da Funrei foi o seu compromisso com a região. “Entendíamos que, se a Funrei não se constituísse como um fator de desenvolvimento regional, ela não teria cumprido seu papel social. Esse aspecto do projeto foi muitas vezes mal interpretado, por quem não queria compromisso algum”, comenta o primeiro diretor executivo.

Moldando destinos
A federalização influiu positivamente na vida de muitas pessoas. A professora Maria Ângela Araújo de Resende já lecionava há quatro anos na Faculdade Dom Bosco. Ainda muito jovem e recém-formada, foi procurando entender a possibilidade de existir uma universidade federal, pública e gratuita em São João del-Rei, que ampliaria a atuação no Campo das Vertentes e também no país, e possibilitaria o diálogo e ações junto a outras universidades federais. “Foi uma aprendizagem exaustiva e interessante, no que se refere às questões do ensino, da pesquisa e da extensão. Até então, éramos professores horistas, numa faculdade particular, dedicada exclusivamente ao ensino”, explica. Quanto ao segmento docente, ela entende que houve uma mudança de paradigma. “Alguns docentes mais conservadores e arraigados se sentiram ameaçados com a nova proposta, o que, a meu ver, era compreensível, pois era o novo que se apresentava. Havia um longo caminho a ser construído.”

Maria Ângela lembra que, a partir da federalização, houve nela um desejo muito forte de se construir a Funrei e, posteriormente, a UFSJ, participando dos Conselhos Superiores, discutindo e aprovando o Estatuto, o Regimento Geral, ocupando cargos e apresentando propostas.

Para a docente, hoje é muito gratificante “pensar que influenciamos a vida dos alunos que puderam e podem estudar numa universidade pública e gratuita, de excelência, com tantos profissionais comprometidos, não somente os docentes, mas os outros servidores. Formar educadores, pesquisadores, que hoje estão atuando nos institutos federais, nas universidades federais, é uma conquista”, afirma.

A professora de Filosofia do Ensino Médio, Catarina Abdalla, iniciou seu curso superior com a federalização da Funrei, uma vez que não tinha condições de pagar uma faculdade particular. “Definitivamente, foram os melhores anos de minha vida. Bons professores e amigos maravilhosos.” Em meio às lembranças, destaca que sua participação no Diretório Central dos Estudantes (DCE) a preparou para a militância política e no Sindicato dos Professores. Catarina também fez parte da Estatuinte, o que considera uma experiência muito enriquecedora. “Me sinto importante por ter contribuído para a concretização da federalização da Funrei e por saber que foi um passo importante para o desenvolvimento de nossa cidade. Em termos pessoais, com certeza, a Universidade moldou em parte a minha personalidade. E a Filosofia me tornou uma pessoa muito mais consciente do meu papel no mundo”, avalia.