Suicídio na adolescência: precisamos falar sobre o tema

Publicada em 17/09/2021

Setembro é o mês no qual uma temática tão delicada, o suicídio, entra em pauta. O dia 10 marca oficialmente, como publicamos, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo, com o intuito de propor ações preventivas e, com isso, salvar vidas.

Os dados apontam para mais de 13 mil suicídios todos os anos no Brasil, ultrapassando a marca de um milhão em todo o mundo. Cerca de 96,8% deles estão relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. Trata-se de uma realidade que vem afetando aceleradamente a população jovem.

A professora do Curso de Enfermagem da UFSJ, e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho de Valorização da Vida, Nadja Cristiane Lappann Botti, explica o suicídio como um fenômeno complexo e singular, que fala mais da vida do que da própria morte. Para prevenirmos a antecipação do fim, segundo Nadja, é preciso uma “ética da sensibilidade” para escutar a dor de viver e uma “ética da esperança” para construirmos amanhãs protetivos, coletivos e solidários.

Uma possibilidade
Daniella Brum é autora de Protagonismo escolar: instrumento de valorização do viver e prevenção do suicídio na adolescência, publicado pela Editora Fi. O livro é o resultado da pesquisa realizada no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSJ, Campus Centro-Oeste Dona Lindu, em Divinópolis, no período de 2017 a 2019. Daniella foi orientada pela professora Nadja Botti, que também assina o livro.

Para a pesquisa, elaboraram um estudo de casos múltiplos por meio de entrevistas com adolescentes e profissionais de Educação, professores e demais funcionários de uma escola da região. “E sem arredar do compromisso ético da escuta para proteção e valorização da vida, apontamos o protagonismo escolar dos atores como fator protetivo de suicídio na adolescência”, explica Nadja. As pesquisadoras partiram da escuta dos sujeitos reais do contexto escolar, visto que são eles os atores daquele cenário, familiarizados com aquele cotidiano.

As autoras ressaltam o desejo de que a leitura provoque inquietações em direção ao estabelecimento de um compromisso coletivo, que ultrapasse a prevenção do comportamento suicida adolescente, e encontre o compromisso com o bem comum. “Trata-se de uma transformação apontada pelos sujeitos de pesquisa, trabalhando com o possível, aqui e agora. Esse é o sentido de usar a escola como estrutura existente a ser utilizada para valorizar a vida e prevenir o suicídio na adolescência”, relatam.

O livro digital está disponível gratuitamente neste link. A versão impressa pode ser encomendada direto na Editora.

Na prática
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, o suicídio é, especificamente no período da juventude, a segunda causa de morte, depois de acidentes de trânsito, correspondendo a 8,5% do total de mortes nessa faixa etária, em todo o mundo. Essa parcela é ainda maior em países desenvolvidos, nos quais o suicídio é responsável por 17,6% de perdas de vidas jovens, configurando-se como a primeira causa de óbitos.

Daniella explica que existem múltiplas evidências sobre a eficácia de intervenções na escola no período infanto-juvenil, considerando diversos fatores, como o contexto educacional, por ser a escola um local em que essa população se encontra na maior parte do tempo, estabelecendo certa densidade de relações. Em outras palavras: é um ambiente de desenvolvimento humano. Por isso, há primazia de estudos que visam à promoção de saúde e prevenção de comportamentos de risco, como o suicídio, nas escolas.

Nesse trabalho, Daniella e Nadja evidenciam que a escola é um local privilegiado, no qual um compromisso coletivo se coloca, com ganhos para a sociedade como um todo. Particularmente, para a prevenção do suicídio na adolescência, é importante que todos os atores envolvidos direta e indiretamente com a escola estejam implicados: alunos, professores, funcionários, pais, profissionais de saúde, instituições, entre outros. Por fim, ficam evidentes duas questões: o uso estrito de intervenções para diminuir fatores de risco para o suicídio não são suficientes; e o fortalecimento de fatores protetivos por meio de intervenções na escola merece destaque.

De acordo com a pesquisa, a prática mostra que não só educadores, mas a comunidade escolar como um todo, deve se implicar. Em convergência com a literatura científica, se sobressaem intervenções que dizem de atividades coletivas, atividades preventivas e convivência sensível. As atividades coletivas se referem à mobilização da comunidade escolar em torno de trabalhos em grupo que promovam socialização, vínculo, interação e maior proximidade, para a criação de um ambiente agradável, especialmente para os alunos. As atividades preventivas se referem a ações escolares como discussões, palestras e rodas de conversa sobre suicídio e outras violências, realizadas por profissionais ou professores em sala de aula, além do oferecimento de atendimento psicológico.

O que o estudo confirma é a importância de conviver, dialogar, ouvir, mostrar interesse e respeito uns pelos outros nas relações com adolescentes, seja na escola, seja na família. Dessa forma, é possível ter ambientes acolhedores e relações mais humanizadas e afetivas, para que as pessoas se sintam bem socialmente, com abertura para expressar sentimentos e opiniões e, com isso, perceberem em outras pessoas segurança, confiança e apoio mútuo.

A professora Nadja Botti ressalta a necessidade de trazer ao debate o suicídio na pademia. “O contexto intra pandêmico tem apresentado significado de desproteção e o pós pandemia, de desesperança. Ambos significados se articulam na vulneração ao suicídio. Por isso a importância de políticas públicas de proteção à vida e valorização do viver.”

Trajetória acadêmica
Daniella Brum, formada em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), lembra que sempre se viu motivada a responder indagações diversas sobre como a sociedade e as pessoas funcionam.

No mestrado, veio a inquietação para discutir o comportamento suicida, cercado de tabus que atingiam até mesmo a grade curricular de seu curso. Começava no Brasil, naquela época (2014), o movimento do Setembro Amarelo. “Foi então que me aventurei no estudo do suicídio, motivada pelo interesse na temática de sua prevenção na adolescência, principalmente no que tange ao fortalecimento de fatores protetivos em ambiente escolar, por ser um espaço privilegiado de intervenções”, analisa.

Atualmente, Daniella é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Federal do Rio Grande do Sul, e faz parte do Núcleo de Estudos sobre Famílias e Instituições Educacionais e Sociais (Nefies).